quinta-feira, 23 de junho de 2011

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O Gonçalo têm-me ignorado. Não me fulmina com o olhar nem faz comentários pejorativos acerca de mim; aliás, a reacção dele quando alguém pergunta como vão as coisas comigo ou fala de mim - pelo menos, isto segundo os meus amigos - é mandar calar a pessoa em questão. Por um lado, agrada-me que ele não deixe que se formem rumores; por outro, custa-me ser tão ignorada. Custa-me tanto que ontem fui ter com ele e perguntei-lhe se estava zangado comigo - a resposta que me deu foi nada menos nada mais que o seguinte: "Não, Inês. Estou zangado comigo. Por te ter deixado escapar". Senti-me tão mal depois desta resposta, que fui a correr para a casa-de-banho chorar. A Mariana viu tudo e veio ter comigo - é ela que me tem apoiado nestes últimos dias. Na verdade, é a única amiga que tenho. Estou surpreendida, porque nunca pensei que ela me pudesse compreender tão bem. 
A Rita está em risco de chumbar, por causa das duas semanas que faltou às aulas. Mas já parece mais animada. É certo que ainda não falámos, mas tenho-a visto na rua com pessoal mais velho. Parece ter voltado à Rita que eu conhecia, embora essa Rita me quisesse sempre por perto. De qualquer maneira, estou mais preocupada com a Sara: está cada vez mais estranha. A mãe dele telefonou-me a pedir ajuda, porque ela já não come nada. Não sei quando é que vou ter paciência para lhe ir bater à porta, para lhe gritar, para a chamar à razão. Mas vou ter que o fazer brevemente. Além disso, o Francisco é quem mais precisa de ajuda neste momento - a Mariana diz que não se importa de ajudar, mas fá-lo cá com um sorriso que eu até tenho medo que ela se aproxime dele. 
O meu primeiro dia de trabalho foi o pior dia de sempre. Para começar, o Doutor tem vinte e cinco anos, olhos verdes, castanho-escuro, um rosto belíssimo e um corpo de invejar aos céus. Chama-se "Pedro Castro, trata-me por Pedro; deixa lá o Doutor para a Dona Maria". Imaginem a minha cara de parva perante o Doutor-Mais-Giro-Do-Mundo, que tem como apelido Castro. Pedro e Inês, com apelido Castro pelo meio não vos faz lembrar nada. Se não fosse todas as outras tragédias que a minha vida tem sofrido, eu até acharia esta coincidência tão, mas tão ridícula que até chega a parecer irreal. De qualquer maneira, a história de amor de Pedro e Inês acaba mesmo em tragédia. Mas, continuando a minha odisseia, o pior não foi isso, porque eu só fiz essa associação muito tempo depois e, apesar de ter reparado na beleza invulgar do Pedro, nem sequer liguei muito a isso - estava ali para trabalhar e para me abstrair das outras porcarias todas. Adiante, o pior foi quando eu descobri que não tenho talento nenhum para lidar com animais. Primeiro, eu juro que os cães daquele centro são demoníacos e que me odeiam, mesmo os mais pequenos. Fartaram-se de se atirarem para cima de mim, lamberem-me toda, ladrarem, puxarem as minhas calças de fato-treino e o meu cabelo. Quando estava a dar banho ao Caramelo, que é um shiuahua bege, com a ajuda do Doutor, o cão pôs-se aos pulos, eu perdi o controle do chuveiro, molhei-me toda (e ao Doutor também) e ainda despejei um frasco miniatura de champô no chão, em mim e no Doutor, que ficou todo encharcado. Melhor ainda, foi quando eu o tentei apanhar, enquanto pedia desculpas pela porcaria, e caí estatelada no chão. Resultado: fui dispensada; "Deixa lá, é o teu primeiro dia. Amanhã corre melhor. Se quiseres ir já, estás à vontade, Inês". Lá foi a Inês, toda amuada, para casa. Mas quem é que a Inês encontrou no alpendre da sua casa? O Gonçalo, que antes de eu conseguir sequer pensar, disse "Se quiseres ir lá a casa, ao quarto da Joana. Não te. Podes ir, Inês. Mas avisa-me antes, está bem? Não é nada. Quer dizer, é contigo. O que aconteceu ainda. Não estou preparado. Ver-te na escola já é castigo que chegue. Não leves a mal. Tenho de ir. Beijos. Fica bem". Pronto, ele disse isto de enxurrada, a gaguejar, com o olhar a vaguear de um lado para o outro, o pé a bater, as mãos nos bolsos. Não me deixou falar, mas deixou-me a pensar. É disso que eu preciso neste momento: de pensar. Porque o que ele me disse, tudo o que ele me disse depois de acabarmos, mexeu comigo. Pensava que estava minimamente preparada para o perder, mas enganei-me.
Não vou comentar o resto dos meus dias no centro de animais/clínica veterinária, porque, apesar de não terem sido o desastre que foi o primeiro dia, também não têm sido perfeitos. Além disso, a Dona Maria adora fazer-me elogios e, quando os faz à frente do Doutor, eu fico mais vermelha que um tomate, porque até agora só lhe mostrei que sou uma desastrada, uma distraída, uma cabeça no ar, enfim. Ainda estou à espera de ser dispensada do voluntariado. Se me estivessem a pagar, já estava no olho da rua. Mas são todos muito simpáticos. Até os meus colegas de voluntariado, principalmente o Lucas e a Filipa, que são uns curtidos. São todos uns queridos comigo e eu já sou, basicamente, a mascote do grupo. Já me chamam todos minorca ou pequenina. Menos o Doutor que ainda se mantêm formal, o que é normal, apesar de ser só comigo, porque à Filipa chama-lhe Fi e à Margarida chama-lhe Guida, e continuando por aí e além com os outros todos . Não sei se ele gosta lá muito de mim. Mas acha-me graça de certeza, porque cada vez que eu faço asneira ri-se baixinho e lá me manda um sorriso simpático. Provavelmente, acha que eu tenho a mania que sou palhaça. Enfim. Tem sido óptimo. É do voluntariado que eu me tenho lembrado, quando começo a deprimir, porque fico logo com um sorriso enorme na cara. Mas, neste momento, preciso mesmo de pensar. De descansar também, porque amanhã ainda vou ao centro de animais. Já só lá vou três horas, mas estou muito cansada mesmo. Aquilo esgota-me. Aquilo e a praia, tenho de admitir. Para piorar estou com um escaldão. Mas pronto, é bom, a praia, os poucos amigos que me restam, o centro, o pessoal do voluntariado. É bom.

1 comentários:

Mafalda disse...

Oh inês estas situações não devem estar a ser nada fáceis, mas fazes bem em distraíres-te e encheres a cabeça de novas coisas.

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