quarta-feira, 7 de setembro de 2011

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Perguntaram-me como é que a minha melhor amiga Joana faleceu. Nunca me tinha apercebido do quanto eu tentei enterrar essa história. Mas, a verdade é que está na hora de desvendar esse mistério. Não vale a pena esconder os fantasmas; eles voltam sempre para nos atormentar.
Um dia, não me lembro quando porque o tempo para mim morreu naquele terrível momento, estávamos as duas na casa dela, à espera do nosso grupo de amigos; no entanto, a Joana sempre foi um espírito indomável, sempre andou à procura de aventura, de histórias para contar, o que é irónico porque nunca chegou a poder contar esta. A história de como ela decidiu experimentar a mota do seu irmão, o meu namorado. Era uma Ducati em segunda ou terceira mão oferecida por um tio que vive no estrangeiro. Eu tentei chamá-la à razão, avisei-a de que se o Gonçalo a apanhasse ela estaria metida em sérios problemas, declarei que era uma estupidez, que ela não sabia mexer naquilo. Porém, a Joana, que sempre foi cabeça dura, nada ouviu. 
Já devem imaginar como terminou; vocês sabem como terminou. Eu sei como terminou, mas não vi como aconteceu. Só a vi a montar a mota e a desaparecer ao longo da rua. Lembro-me de ouvir um estrondo e de correr o mais depressa que pude. Então, deparei-me com a ducati toda amolgada, quase encaixada no capô do Fiat da mãe do Francisco, o namorado da Joana, que tinha assistido ao acidente, que tinha, inesperadamente, tomado parte activa naquela desgraça. Ele viu a namorada a chocar contra o carro onde ele estava, onde a mãe dele estava, e nenhum deles pode fazer nada, porque não conseguiram ver a Joana, que dobrou a esquina a alta velocidade. 
Não gosto de relembrar o que aconteceu a seguir. Não gosto de admitir que procurámos a Joana e fomos dar com ela atrás do carro, a mais de um metro, atrás do carro: o choque serviu -lhe como catapulta. Ela voou, literalmente, por cima do Fiat. As pessoas a rodearem-na. Ela ainda viva, a sofrer, múltiplas fracturas, um traumatismo craniano, hemorragias internas. Tentaram salvá-la, mas morreu durante a viagem para o hospital. Não estávamos à espera de outra coisa, mas doeu-nos na mesma, a mim e ao Francisco que fomos com ela. 
Quando os pais da Joana e o Gonçalo chegaram ao hospital já só foram lá para identificarem o corpo. Foi horrível. A mãe dela tentou negar, aquela não podia ser a sua filha, mas era, infelizmente não havia hipótese de ser outra qualquer. Foi um choque. Acho, agora que penso nisso, que me culparam de alguma maneira. Porque, afinal de contas, eu estava lá, eu podia tê-la impedido, mas desisti, achei que não havia maneira de a fazer mudar de ideias, desisti dela. Ainda me culpo. Decidi não a salvar; eu sabia que aquilo ia acontecer e desisti dela, percebem? 
Não há muito mais para contar. Depois disso, tudo se desmoronou. O nosso grupo de amigos foi caindo aos bocados. O meu namoro com o Gonçalo deteriou-se de tal maneira que acabámos por nos afastar. É verdade que já estamos bem, mas nada voltou ao normal, porque depois do acidente tudo deixou de ser normal. Talvez só estejamos juntos por causa da Joana. Talvez já nem sejamos realmente amigos. Só estamos a tentar manter a memória dela intacta, acho. 

4 comentários:

Rosarinho disse...

tu não tiveste culpa nenhuma! nao consegues controlar os pensamentos e cada um é livre de fazer o que quer, tu nao sabias que isso iria acontecer, nem que ia dar nisso!

Rita disse...

wow...
Arrepiei-me praticamente da primeira à última palavra.
E não concordo, de maneira nenhuma, à cerca de teres a mínima culpa que seja. Foi simplesmente o que teve de acontecer, quer tu quisesses ou não.
Mas penso que seja natural, nenhuma palavra te tirar esse sentimento (até porque, à cerca disto, já tu deves estar cheia de palavras do género), julgo que só desaparecerá por ti.

Mas desejo-te a maior força, Inês.

Rita disse...

E ainda bem que gostaste do post :)

joana disse...

fiquei boquiaberta com o que li. tu,tu...e a tua vida dão um livro. minha querida,nem sei o que dizer. nunca passei igual e tou com o coração nas mãos. e gaga. sabes,eu acredito que esse teu envolvimento com o "doutor" tenha começado porque te sentias e sentes certamente vulnerável,sensível e frágil. precisas de carinho,precisas de sentir que alguém te agarra e cuida de ti. mas olha,tens 17 anos. ainda só 17 anos de vida,nunca a estragues. promete isso a ti mesma. ela está a ver-te lá de cima,a culpa NÃO é tua,podes acreditar. podem todos tentar mandar-te isso para os ombros,mas sabes,aconselhas-te. deste a tua opinião e disses-te para não ir. quem fechou os ouvidos foi ela. não alimentes o arrependimento porque isso persegue-te a vida toda. tudo vai voltar ao "normal" e vais conseguir seguir em frente. ah,e quanto ao dar problemas aos teus pais...bom,estás secalhar numa idade critica e com muitas perguntas na tua cabeça o que é normal mas nunca te esqueças que eles estão sempre lá para ti e por ti. nunca te esqueças de lhes dares o devido valor. e tenta assentar. por mais confusões que tenham havido nestes ultimos tempos,por mais coisas estranhas que se sucedam,fica sempre a olhar em frente. o futuro e misterioso,sabes. muito até. e tu concerteza que tens bastante para dar,até a ti mesma. um beijinho grande e força força força,estou aqui para o que precisares. desculpa o testamento!

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